quarta-feira, 29 de junho de 2011

Lidando com o desprezo

Texto bíblico: Gn 21:8-21

INTRODUÇÃO: O sermão desta manhã é a continuação da série Vidas que ensinam santidade. Algumas personagens bíblicas já foram estudadas nesta série, dentre estas: Ana (mãe de Samuel), Daniel, Davi, José (pai de Jesus), Rute e Ana, a profetisa. Hoje, através da situação vivida por Agar e Ismael, vamos tratar do assunto Lidando com o desprezo, com base no relato de Gn 21:8-21. O importante é sabermos, já de antemão, que, mais do que apresentar princípios para lidarmos positivamente com o desprezo, que aqui significa desvalorização do ser humano, nossa reflexão de hoje sobre esse texto nos levará a crescer em santidade, porque nos trará conhecimento de Deus.
Os versículos 14-21 do nosso texto-base apresentam uma cena caótica: uma escrava e seu filho são expulsos da casa dos seus senhores e passam a perambular pelo deserto, sem garantia alguma de sobrevivência. Ela fora mandada embora sem nenhuma recompensa pelos anos de serviço prestado a sua senhora; o moço teve de deixar a casa de seu pai riquíssimo com nada mais que pão e água. A situação foi tão extrema que a única saída parecia ser esperarem a morte. O que duas pessoas sedentas e famintas poderiam fazer num deserto, a não ser chorar? Mas é aí que vemos o agir direto de Deus em seu favor. Assim, a partir da ação divina em relação a Agar e seu filho, gostaríamos de apresentar a você que tem enfrentado o desprezo três princípios que fortalecerão sua confiança no Senhor e o ajudarão a crescer em santidade, enquanto lida com essa situação. O primeiro deles é:

 I. AO LIDAR COM O DESPREZO, LEMBRE-SE DA PRESENÇA DE DEUS

Talvez a maioria, aqui, já tenha ouvido ou lido, alguma vez, a respeito do envolvimento de Agar na vida de Abraão e Sara. Estes eram idosos e não tinham filhos. Mas Deus havia prometido a Abraão um herdeiro (Gn 15:3-5). Acontece que o tempo passava e o filho não vinha. Sara, ansiosa por ser mãe, tomou a iniciativa de propor a seu marido que tivesse um filho com a escrava dela, Agar. Abraão aceitou a proposta, e, assim, nasceu Ismael (Gn 16:1-4, 15). Mas, no tempo devido, Deus cumpriu a promessa de dar a Abraão e Sara o filho que eles tanto queriam. Nasceu, então, Isaque (Gn 21:1-3).
O nosso texto base diz que, quando Isaque foi desmamado, seu pai deu um grande banquete para comemorar o acontecimento (Gn 21:8). Nesse banquete, ocorreu um evento desagradável: Sara se ressentiu de certa atitude de Ismael em relação a Isaque. Talvez se tratasse de uma brincadeira ou de uma zombaria. O texto diz que ela pediu a Abraão que expulsasse Agar e Ismael de casa, pois não queria que o garoto fosse herdeiro com Isaque. O autor conta que Abraão, mesmo triste por causa de Ismael, despediu, na manhã seguinte, este e sua mãe. Os dois andaram sem rumo pelo deserto de Berseba (Gn 21:11-14).
É no deserto que Agar prova o cuidado de Deus, exatamente quando não havia mais perspectiva alguma de sobrevivência para ela e seu filho, de acordo com os versículos 15-16. No versículo 17, nós lemos: Deus, porém, ouviu a voz do menino; e o Anjo de Deus chamou do céu a Agar e lhe disse: Que tens, Agar? Não temas, porque Deus ouviu a voz do menino, daí onde está. Observe o verbo ouvir usado duas vezes nesse versículo. Não se trata, aqui, apenas de percepção auditiva, mas de dedicação, de atenção voltada para alguém. Foi assim que Deus se mostrou a Agar: dedicado e atencioso. Ele a encorajou, dizendo: Não temas. A razão por que ela não precisava temer era a presença do Deus que ouve, que ama primeiro e vai ao encontro do ser humano, onde quer que esteja. Foi essa mensagem que o Anjo de Deus levou a Agar, no deserto, quando disse: Deus ouviu a voz do menino, daí onde está.
No momento em que parecia não haver ninguém atento ao que se passava naquele lugar, Agar ouviu aquele que ouve e vê todas as coisas. Não era qualquer pessoa que falava com ela, mas aquele que habita nas alturas. O texto diz que ele a chamou do céu. No Salmo 113, também lemos: Não há ninguém como o Senhor, nosso Deus, que tem o seu trono nas alturas, mas se inclina para ver o que há no céu e na terra. Ele livra da humilhação os pobres e tira da miséria os necessitados (vv. 5-7). É assim que Deus lida com os desprezados: ouvindo-os, onde quer que estejam; mostrando-se atento ao que se passa com eles.
Por amar demais o ser humano, Deus detesta vê-lo desvalorizado. Sendo assim, não lhe agrada nem um pouco que pessoas sejam tratadas como objetos e sejam expostas à humilhação. Ele nos tem por alvos da sua atenção constante, mesmo sem sermos úteis, atraentes, carismáticos, ricos ou qualificados aos olhos humanos. Esse amor foi demonstrado claramente na atenção que Jesus dispensou às pessoas desvalorizadas pela sociedade. Os evangelhos nos dizem que ele se encheu de íntima compaixão (Mt 20:34; Lc 7:13), quando as encontrou. Portanto, a presença constante do Senhor conosco é a maior garantia do seu amor e do valor que ele nos dá. Lembre disso sempre, e especialmente quando for alvo de desprezo.
Ao mostrar a atuação direta de Deus em favor daqueles dois moribundos, o texto não apenas nos ensina a lembrar da presença de Deus. O segundo princípio que ele traz a você que tem enfrentado o desprezo é o seguinte:

II. AO LIDAR COM O DESPREZO, ACEITE A ORIENTAÇÃO DE DEUS

Depois de encorajar Agar, com sua presença e sua atenção, o Senhor passou a orientá-la para restabelecê-la daquele caos. Leia o que dizem os versículos 18-19: Ergue-te, levanta o rapaz, segura-o pela mão, porque eu farei dele um grande povo. Abrindo-lhe Deus os olhos, viu ela um poço de água, e, indo a ele, encheu de água o odre, e deu de beber ao rapaz. É importante observarmos que, apesar de poder poupar Agar de qualquer esforço, Deus lhe requer ação. Nisso, percebemos que ele a considerou capaz da atitude nobre de vencer sua debilidade física para socorrer seu filho.
Há, na sabedoria popular, um ensino que se aplica a essa situação: Em vez de darmos o peixe a alguém, devemos ensinar-lhe pescar. De certo modo, foi assim que o Senhor agiu com Agar: não lhe deu a água na boca, mas ensinou-lhe lutar, e ela aceitou a orientação divina. O primeiro passo foi ordenar que ficasse de pé, levantasse o garoto e o segurasse pela mão, porque isto era o que Agar podia fazer. Porém, o que ela era incapaz de ver, Deus lhe mostrou: Abrindo-lhe Deus os olhos, viu ela um poço de água (v. 18). Contudo, ainda havia algo que Agar podia fazer e fez: caminhar até o poço. Leia o que o texto diz: ... indo a ele, encheu de água o odre, e deu de beber ao rapaz (v. 19). Imagine essa mulher desidratada e castigada pelo calor do deserto caminhando até o poço. Deus poderia tê-la poupado disso.
Perceba, porém, que Deus não poupou Agar de esforço porque não a tratou como desprezível, mas valorizou-a a ponto de permitir que ela própria desse os primeiros passos rumo à reconstrução de sua vida. Essa é uma imagem de Deus diferente daquela que alguns costumam ter: aquele Pai bonachão que poupa seus filhos de todo e qualquer sofrimento, que faz tudo por eles, mesmo o que podem fazer. Essa imagem de Deus indo ao encontro de Agar e colocando-a em ação é o que a palavra de Deus nos revela sobre ele: um Deus que nos tem tanto amor que nos valoriza, até mesmo, e especialmente, quando estamos no pior estado imaginável.
Nosso Deus não nos trata como incompetentes e inúteis. Por isso, não fará o que está em nossas condições e o que é de nossa responsabilidade, mas nos orientará quanto ao que devemos fazer, porque conhece o limite das nossas forças e quer que confiemos nele. Deus tem prazer em nos ver superar os desafios que ele nos dá e nos encoraja a darmos o primeiro passo. Assim ele faz com aqueles que se sentem vazios de recursos próprios. Como agiu com Agar, neste texto em que estamos meditando, agiu com Moisés (Êx 3–4:1-17), Gideão (Jz 6), Jeremias (Jr 1:4-10) e outras personagens bíblicas.
Deus não alimenta nossa autocompaixão, não nos mima, mas nos torna ativos na construção da nossa história. Essa postura ativa diante da vida e, ao mesmo tempo, submissa a Deus torna-se evidente a partir do momento em que aceitamos as suas orientações, em sua palavra, e as seguimos, conscientes de que ele tem uma grande obra a fazer através de nós, que não pode ser interrompida pela opinião ou pela atitude de desprezo de outros. Foi essa atitude que levou Neemias a prosseguir com a construção dos muros de Jerusalém (Ne 3-4). Deus lida com os desprezados instruindo-os, em vez de deixá-los acomodados, e dando-lhes novas forças para levantarem e viverem para a sua glória.
Até aqui, você aprendeu a lembrar da presença de Deus e a aceitar suas orientações, diante desprezo. Mas há, ainda, um terceiro princípio que o agir de Deus sobre Agar e Ismael também ensina:

III.           AO LIDAR COM O DESPREZO, CONFIE NA JUSTIÇA DE DEUS

            Você lembra como Agar fora parar no deserto com seu filho: Sara requerera de Abraão que os expulsasse de casa. Vamos ler novamente os versículos 9-10. Talvez ela já estivesse bastante preocupada em garantir que Isaque fosse o único herdeiro de Abraão e só esperava um motivo para requerer a rejeição de Agar e Ismael, ou, talvez, as frequentes intrigas familiares, pela situação privilegiada de Isaque tenham-na levado a pedir que Abraão os expulsasse. O fato é que o texto não dá condições para entendermos que a atitude do garoto tenha sido digna do castigo que ele recebeu.
A postura arrogante da esposa de Abraão levou-a a usar sua situação de poder para desprezar quem dependia de seu favor. Sendo assim, ainda que Deus ordenasse a Abraão que mantivesse em casa Agar e Ismael, a atitude de Sara não seria reparada, porque justiça imposta jamais será justiça de fato. Também precisamos considerar que, se entendemos justiça como a vontade de Deus cumprida, a atitude de Sara está, definitivamente, bem longe de ser justa – ainda que tal atitude fosse considerada legítima, naquela época e naquele meio social –, pois o uso do poder para privar pessoas de seus direitos fundamentais e condená-las à desolação não se harmoniza com a vontade de Deus. Isso porque o uso indevido do poder tem sua raiz na soberba e é maléfico ao ser humano.
Mas o fato é que Deus disse a Abraão: Não te pareça isso mal por causa do moço e por causa da tua serva; atende a Sara em tudo o que ela te disser; porque por Isaque será chamada a tua descendência (v. 12). Todavia, não precisamos ficar confusos porque esse mesmo Deus ama a justiça (Sl 33:5) e detesta o desprezo ao ser humano, que ele criou a sua imagem e semelhança. Portanto, quando ele disse para Abraão atender Sara (vv. 12-13), não estava sendo conivente com a injustiça dela, mas garantindo que iria agir com justiça e cumprir suas promessas – e não há nada mais justo que o cumprimento das promessas divinas.
Deus não esquecera o que havia prometido a Abraão, mas, por ser justo, jamais deixaria Agar e Ismael sem a garantia de um futuro abençoado: ... eu farei dele um grande povo (v. 18). Deixá-los, portanto, sair de debaixo do teto de Abraão e colocá-los em liberdade era o início do cumprimento dessa promessa. Leia os versículos 20-21: Deus estava com o rapaz, que cresceu, habitou no deserto e se tornou flecheiro; habitou no deserto de Parã, e sua mãe o casou com uma mulher da terra do Egito. O que Deus queria mesmo era dar-lhes um rumo digno, tornando-os livres para construírem suas vidas, pois a sua justiça promove salvação e restauração do ser humano.
Não esqueça que nenhuma injustiça está oculta aos olhos de Deus. Ele vê se tratamos ou se somos tratados com desprezo. Por isso, não se engane: Deus, cujo nome é santo, jamais será conivente com a injustiça, e não esmoreça: Deus, cujo nome é santo, ouve o gemido dos injustiçados. Você não precisa e não deve revidar; tampouco precisa guardar mágoa. Basta confiar no Deus que faz justiça aos desprezados, pois, assim como Agar não podia imaginar que todo aquele caos a que fora submetida era o início da sua liberdade e da liberdade de seu filho, você também não consegue entender por que Deus lhe permitiu passar por humilhações e chegar ao estado em que você se encontra. Mas ele sempre está fazendo o que é justo: está tornado você livre e colocando outros em liberdade, ao mesmo tempo.

CONCLUSÃO: Para encerrarmos esta reflexão, é oportuno lembrarmos o que o escritor de Provérbios diz: Quando cair o teu inimigo, não te alegres, e não se regozije o teu coração quando ele tropeçar; para que o Senhor não veja isso, e lhe desagrade, e desvie dele a sua ira (Pv 24:17-18). O sentido dessa advertência é que Deus está sempre presente, vê o ofensor e o ofendido, e sempre se coloca em defesa de quem sofre o insulto, ainda que se trate de um inimigo nosso. A partir do momento em que agimos com arrogância diante daqueles que nos tratam mal, deixamos de ser inocentes aos olhos de Deus. Ele sempre prefere ser o defensor daqueles que não têm defensor. Foi assim que ele se revelou a Agar.
Deus jamais nos rejeita porque nunca nos mede pela régua humana. Ele sonda os corações, sabe, de fato, quem somos e nos concede valor inestimável, a despeito das nossas falhas. Conhecer, hoje, as atitudes que caracterizaram o seu tratamento a Agar e Ismael é encorajador. É de fé e coragem que precisamos para confiar que Deus ouve o nosso gemido, quando passamos por situações de desprezo e incompreensão por parte daqueles que deveriam nos amar. Portanto, prossigamos em conhecer esse Deus, que é sempre presente, orientador e justo.

Sermão produzido pelo Departamento de Educação Cristã (DEC) da Igreja Adventista da Promessa.